Posso dizer que sou QUASE filho único. Minha irmã veio 8 anos depois, então cresci quase sozinho, o que de certa maneira não foi nada mal. Sou Filho de filho também quase único. Quase porque quando meu avô casou com a minha avó, já tinha outros filhos, ele era viúvo. Meu pai é o único filho da minha Vó Adoração com meu Vô Eduardo. Minha vó trabalhava num orfanato, casou mais tarde, criou tantos filhos do mundo que até deixava meu pai enciumado. Minha vó tinha essa vocação, cuidar dos outros. Quando casou com meu avô, terminou de criar os filhos dele como se fossem seus. Os sobrinhos do meu pai, filhos dos irmãos paternos, eram quase irmãos pra ele. Esses meus primos são hoje pra mim meus quase tios. Essa é a minha família. Feita de cores distintas, como um mosaico que a vida foi juntando e harmonizando. Minha vó foi o amalgama divino que Deus usou para nos unir.
Quando eu era criança, me divertia sozinho, era o filho QUASE único, meus pais trabalhavam fora e eu ficava com a minha vó. Nessa época ela não trabalhava mais, tinha ela só pra mim... Quando a meu pai chegava, brigava com ela, dizia que estava me estragando, me mimando, passando a mão na minha cabeça. Minha vó brigava com o filho por causa do neto, deixando meu pai mais uma vez enciumado. Eu já não era mais só o neto, eu também já era um irmão, neto-filho da mãe dele. Eu brincava, pulava,dançava, ria alto, sujava a roupa e ainda comia feijão, feijão frade que minha vó fazia questão de fazer pra nós dois. Quase todo dia, no final da tarde, antes do meu pai chegar em casa depois do trabalho, pouco antes de ir para a faculdade, ela me chamava com aquele ar de "Tenho uma surpresa pra você" e me entregava o meu potinho de feijão, sempre branco- ela não gostava muito dos pretos. Esse era o nosso momento íntimo, coisa de vó e neto, assunto que pai não participa. Feijão branco do interior, derretia na boca, lambias os beiços, comia até o caldinho. Nesse momento ela me contava histórias, casos de outras vidas, histórias de infância, sonhos de vida, lembranças do meu avô. Minha vó, tinha um sotaque carregado, voz forte, marcante, envolvente, protetora.
Minha vó era uma mulher grande, de quadril largo, poderia ter tido muitos filhos,mas preferiu ser mãe de todo mundo. Tinha grandes olhos azuis , que estavam sempre molhados, sorrindo pro mundo... Arrastava seus chinelos rasteiros sempre alegando conforto, não tinha nenhuma vaidade. Quando ela era criança, de família muito pobre, resolveu que não sofreria pelo o que não tinha, resolveu amar o que tinha e não choramingar pelos cantos. Ela não se maquiava, mas tinha sempre a bochecha rosada... Me botava pra dormir e depois botava meu pai também. Amava tanto o meu pai que duplicou o seu amor por mim. Minha vó tava muito velhinha, já não falava coisa com coisa. Às vezes, eu ia visitá-la e ela me confundia com o meu pai, outras vezes fazia diferente, confundia alguém comigo. Minha vó não só me ensinou a sonhar como também a realizá-los. Minha vó era assim, não queria muito da vida, mas tinha tudo o que queria. Minha vó morreu a algum tempo atras e seu último desejo foi comer feijão frade.