Bom quando se tem vontade de fazer design gráfico e muito comum que seu primeiro emprego seja no marketing. Porque o mundo é mal informado e, você também, acha que tudo é a mesma merda. Então tive que passar por isso.
Quando eu trabalhava em marketing, em firma, e odiava, eu pensava, vou largar essa merda e ser designer de verdade. Não tinha a menor capacidade pra ficar sentado embaixo daquele ar condicionado acumulando gripe desde 2000. Barulhinho de elevador me entristece. Aquele “timtum” do elevador, sabe? Eu tenho vontade de berrar dentro de elevador com aquele povo falando das férias em Cancun. Já percebeu como tem sempre alguém falando de aventura no elevador? É porque eles tão escalando o prédio do décimo andar até o décimo terceiro onde fica o RH? E as TVezinhas de plasma informando do jogo do São Paulo e da prisão do Dantas e do urso que queriam aniquilar. Que aventura. E odiava aqueles ternos em dia de verão. Crachá, então, sempre tem algo de laranja. Cor da comunicação, manô! Os super ousados que andam na frente, levando sua trupe alegre ao quilo da esquina. Hoje é por conta do Álvaro. Não, hoje é dia do Tavares.
Quando eu trabalhava no jornal, bota aí uns aninhos tambem, eu pensava, vou largar essa merda e ser designer de verdade. Virar noite por conta de uma matéria? Aturar chefe que fala frases do tipo “hmmm, não sei, ainda não tá matador, sabe?”. E eu querendo estourar a cabeça do cara. “Tá matador agora, ô brocha que ganhou dinheiro?”. E aturar duplas que você não escolheu nem pra namorada, nem pra amigo e muito menos pra dupla. O dia todo ao seu lado. A noite toda quando tinha noticia bombástica ou mesmo quando não tinha. O importante é viver pra essa merda. E sabendo o cheiro que o pêlo dele tem depois das três da manhã (uma hora o gel da desgraça ao lado vence, confere?). Enquanto ele refaz o sombreado do layout pela décima vez ouvindo “tecneira”. Eu olhando de longe e tendo que "pensar junto". Vou largar essa merda e ser designer de verdade.
Cruzar no corredor aquela cara de sapa mijada do financeiro “não tenho expediente para lhe responder isso agora”. Vou largar essa merda e ser designer de verdade. Participar de reunião com beirute e o cara da mídia que tem voz de catarro seco preso na faringe. Vou largar essa merda e ser designer de verdade. O bolo dos aniversariantes de junho com direito ao prêmio bunda da firma pra Suélen, da recepção. Vou, sim, largar, essa merda. Ô se vou. E o cara que se acha maior engraçado, da finalização, imitando o Joseph Climber? Aliás, que graça tem essa bosta de quadro? A redatora gatinha que se pergunta sempre porque todo mundo olha pra ela, mal sabe que é por causa da bóia de pato rosa embaixo do sovaco. A menina é gorda no canto da teta! Mas se acha gata. Solidão. Bocejo. Azedo. Sempre o som na gaveta. E um dia. Quem sabe. Consegui! Consegui! Ganhei leão! E agora? Agora enfia no cu. Eu vou largar essa merda. E larguei.
Eu larguei tudo pra ser designer de verdade, porque nada bastava, servia, dava garantia, me fazia feliz. Nada era suportável. Sim, tem aí todo um problema grave de pouca paciência pra vida e menos ainda pra socializar e me relacionar. Grave. Até meio doente, vai saber. Mas, profissionalmente, super bem contornado pelo fato de que me sustento sendo designer. Sou pleno assim. Ainda que pleno seja uma palavra brega digna daqueles amigos que dizem “vá ver o Sol” (tive que ouvir essa ontem). Arrumei um jeito de pertencer ao mundo e pagar o IPVA. Fico aqui e tudo certo.
Mas e no amor, me pergunto, qual é o equivalente a largar tudo para ser designer de verdade? Se também não aguento, não tenho saco, não fico quieto e trabalho. Se tudo me irrita, dá vontade de ir embora, sufoca, maltrata, enlouquece. Se quando peço aumento, só quero, na verdade, um bom motivo pra ser demitido. Se quando cobro reconhecimento só quero, na verdade, ser mandado embora. "Já que estar aqui é insuportável, me dá pelo menos a garantia de um bom plano de saúde?". Namorar é saber que daqui a pouco troco de novo de empresa. Namorar é o terno, o elevador cheio de crachás, a sapa mijada do financeiro, o dupla com cheiro de bola de saco, a teta gorda da gatinha, o bolo da Suélen, o dia do Abrantes pagar a conta, a vontade de explodir a cabeça do chefe.
Tudo começa bem, tudo termina aqui. No amor, o equivalente a largar tudo e ser designer de verdade é exatamente largar tudo e ser designer de verdade.