Queria agradecer aos dias que meu humor melhorou consideravelmente depois de seis horas ouvindo o teu assobio incessante, depois de bater o pé, dizendo que teu ponto de vista estava sempre errado e sorrir com timidez ao admitir que, dessa vez — somente desta vez — tu tinhas razão. Agradeço pela companhia, por você dar trela as minhas manias e por zoar comigo, chamando-me de bronquinha, por viver reclamando de tudo e pelas historias trocadas, pela troca de informação inútil e pelas lembranças daquilo que eu deveria fazer e não fiz, sempre no melhor tom de amigo.
Queria te dizer que me diverti muito com os teus beliscões no meu braço, com a tua insistência na lavação de réguas e esquadros, com a medição de força a me arrastar pra rua enquanto eu queria me acomodar cá dentro. E te conto, agora, que nas vezes que fazia cara feia e falava que estava na hora de ir embora, eu queria mesmo era ficar mais. Era tudo fingimento meu, só pra levar a mais riso, a mais birra e mais palhaçada. Queria te dizer que achava graça dos cutucões, para convencer-me a mostrar as fotos dos caras que conheço e que teus comentários bizarros valiam por todo o dia.
Por fim, queria te dizer que sim, você tinha razão ao dizer que sentiria tua falta, menina. O silêncio tá ensurdecedor nesse barulho constante. Não chega o mercador gritado lá de fora, não chega o assobio imitando pássaros, nem o sino da igreja, nem teu urro de estresse, de corrida e de fome. A água mineral tá mais cheia, pois tua sede não vem também. É psicológico tudo, lembra? Te contei uma vez, cutucando com o indicador na cabeça, repetidas vezes, só pra te ver alucinado, emburrada e saindo batendo porta. Pirraça.
Queria te dizer, mas não digo. Não disse. E sequer terei a oportunidade de. Mas sim, sentirei tua falta.