quarta-feira, 1 de abril de 2009

quarta, onze e cinquenta da noite

Combinei comigo um dia e um horário. Quarta, onze e cinquenta da noite. Depois que eu resolvesse os trabalhos da faculdade, os pratos que transbordavam pela pia e as pilas de roupas espalhadas pela casa. Depois que eu resolvesse o problema da grana alta que tenho que arrumar em uma semana. E depois que eu contasse centavos pra pagar nove reais da minha conta do UOL. Para isso só mudando de agência. Minha gerente é o tipinho loira burra e gostosa que chega pra trabalhar rouca porque foi em alguma micareta fora de hora (e todas não são?). Depois que eu entregasse as quinze propagandas em um mês. Um milagre que só um ser sem dormir e sem vida seria capaz de cumprir. E eu cumpri. Dormindo e com vida. Quarta, onze e cinquenta. Até lá, preciso resolver o problema do livro que o chefe voltou a me encher o saco. O problema do chefe que continua me pagando pro pão com ovo. O problema do escritório que resolveu me cobrar honorário até do segurança noturno que bateu punheta e limpou com a xerox rasurada do meu contrato. Tem também o problema da tipografia indecisa que não é decidida e agora tô há semanas sem receber pelos meus freelas. Preciso entregar aqueles textos pra historia da arte, ainda que ninguém me diga com clareza o que é pra ser feito. Bota aí alguma coisa de Revolução Francesa. Sei. Mas não era pra falar só sobre o Romantismo? Preciso inventar um jeito de saber o que é para fazer, para amanha de amanha, quando um me fala que é sobre Revolução Francesa e o outro Realismo. Tá fácil. Romantismo então? Combinei comigo um dia e um horário. Quarta, onze e cinquenta. Depois que eu resolvesse meus exames pedidos pelo médico há meses. Agora preciso correr, pra aproveitar que o meu plano bom vai pro saco e eu vou ficar com meu plano vagabundo. Depois que eu resolvesse o lance da administradora do prédio ter o CNPJ caçado e meu condomínio ter subido para o equivalente ao que eu gastaria pra visitar, duas vezes, minha amiga no Canadá. Aliás, ia me dar isso de presente de aniversario, mas esse ano fico sem presente mesmo. O importante é pagar meu porteiro que dorme na madruga enquanto eu negocio com os sequestradores relâmpago do bairro “ah, vai assaltar em alto de Pinheiros que lá tem velha rica e desocupada, aqui não tenho nem pra jujuba e preciso entregar uma revista, agora não rola ir até o caixa com você, muito menos passear pelo bairro curtindo o seu cd pirata do Simple Red remixado”. Ou também pagar ele que dorme na madrugada e demora meia hora pra abrir o portão para meu carro entrar. Combinei comigo um dia e um horário. Quarta, onze e cinquenta. Depois que eu resolvesse o lance de passar três dias por semana no Rio para melhorar minha social no trabalho. Não tenho dinheiro e pra falar a verdade (pela milésima vez) não tenho prazer nenhum em passar esses dias no Rio, longe da minha casa, marcando encontros, sempre em pé e com barulho, com gente que te enche de beijo e de festinha e nem dá tchau na hora de ir embora. A Net me cobrou em duplicidade de novo, e ainda continua sem passar um misero canal. Nenhum ser humano do planeta me abraça e sorri antes de perguntar porque ando tão magro ou porque cortei meu cabelo igual cabana de índio depois do vendaval. Meu rx do braço foi usado numa campanha de tobogãs assassinos das noites do terror. Minha fisioterapeuta me mandou aumentar as sessões para três por semana mas eu não tenho tempo ou dinheiro nem para meia. Se bem que todas duram “meia” e quando preciso ir embora, é só falar algo do tipo “tenho passado mais de duas horas no computador” ou “treino desenho umas quatro horas por dia” ou “não to sentindo direito” que ela se levanta num misto de ódio com delírio e me expulsa dali. E eu faço de conta que saiu sem querer. Minha empregada chora porque não tenho dinheiro pra pagar três vezes por semana. E eu que tô chorando pra pagar uma por mês? Meu travesseiro não agüenta mais o peso da minha cabeça. O chá boa noite só aumenta os pensamentos na minha cachola. As furadeiras do meu prédio cantam sempre em uníssono com os galos, principalmente aos domingos. Eu me enlouqueço, ora falho, eu seco, não tenho fome de nada e medo de tudo, quero sumir e odeio todo mundo. Ora bombo, faço amor até com geladeira desregulada, quero 567 filhos, amo o que segue. Vai e vem. E quarta chegou, são onze e cinquenta da noite. Coloco Nutini. Wheeeen you're loving meeee, i'm loving youuuuuuu. Apago todas as luzes. Vai, B, sofre. Você precisa sofrer um pouco. Vai. Você combinou que se daria pelo menos uns instante de luto pelo amor que morreu. Vamos lá. Uma lágrima. Um, dois, três e…e…e…ah, eu tenho mais o que fazer!

pelo menos o meu bem não ecoa mais no meu ouvido num tom amargo