As pessoas não percebem que não quero falar sobre. Não que eu não tenha mais nada para falar, pelo contrário. Poderia passar horas, talvez dias inteiros - se eu tivesse até um dia inteiro para poder pensar só em mim e no que me diz respeito -, falando sobre.
Só que não, entende? Porque ninguém se dá conta que dizer que vou adoecer se continuar desse jeito não ajuda muito. Estranhar minha expressão, alegando que pareço tristinho e, por causa disso, me oferecer o resto do dia de folga não vai fazer outra coisa, a não ser me dar mais tempo para pensar sobre.
Eu me rebelo contra as ordens vindas do alto e escolho me afogar no trabalho até as onze da noite. Recuso companhias para andar por caminhos desertos e fujo sem que se dêem conta, só para não correr o risco de ter alguém do meu lado atrapalhando minhas pegadas no deserto que existe dentro de mim.
A impressão que tenho é que, embora minhas palavras não tenham se esgotado para mim, elas se esgotaram para o resto do mundo. Então é por isso que não vou falar sobre.
Não quero contar nada que não seja trivialidade inútil ou qualquer hábito estranho que carrego comigo. Quero poder transformar meus atos simples, dando-lhes a dimensão que agora tem a minha dor. Não espero mais ser entendido e, por isso mesmo, posso falar daquele dia em que bebi demais e fui parar na casa de uma estranha, sem receio de não ser compreendido.
Não preciso de coerências, se posso me poupar do desgaste que é ser o homem que todos esperam que eu seja. Todos esperam demais de mim. Um conselho, uma postura, uma opinião, um telefonema. Quando leio coisas como "os telefones me algemam e você sabe disso", com as letras em forma de navalha picotando minha consciência, sinto por não poder conter um pranto invisível que encharca por dentro e não encontra mais por onde escapar.
Mas quem vai me ouvir ou dizer que vai passar e que tudo ficará bem? Quem vai me convencer de que todo este pesar prestes a escapulir pelos meus olhos de maresia vai encontrar um par de mãos disposto a ampará-los? Não é hora de pedir, é o momento em que ainda espero que me dêem. Um motivo qualquer, qualquer um, que me faça pensar que devo continuar com tudo. Um só.
Nenhum. Foi o que imaginei...