Ontem quando liguei para o táxi percebi que era uma daquelas chances. Fico meio rouco e meio calmo. A voz sai divertida e as pessoas riem de mim, mesmo que eu diga apenas o nome e o número de uma rua.
É tão agradável que gosto como se eu fosse um amigo novo e simples, desses que você chama para ir ao bar, chora da mulher e que ele te entede. Eu era um desses caras sempre sorridentes que a gente, quando encontra, abraça como se tomasse o resto da Coca-Cola no gargalo. É pessoal e ao mesmo tempo ninguém aguenta não fazer. Dá vergonha e tem seu charme. Um desses caras que nitidamente foi feliz na infância porque a mãe conversava no fresquinho da noite sobre como a vida não precisa ser assustadora. Desses meninos que quando alguém quer explicar, começa falando de si mesmo.
Quando o táxi chegou na festa e eu, num ímpeto que nem sei o nome, beijei e abracei todos da entrada. Gostando de gente como nunca gosto, percebi que era uma daquelas chances. De tudo o que posso ser, esse é a que me vem com menos frequência. O garoto corado. O garoto beija e abraça e gosta e ouve todo mundo. Olha a fulana. Olha o cara. Pessoas. E quando ele vem fico nessa certeza, até um pouco doído, de que não existe nenhum outro mais verdadeiro. E que todo o resto, todo o enorme resto, é só para guardá-lo intacto em algum lugar onde as janelas são anti tudo. Mas quando alguma coisa esquece a porta aberta e a noite é quente demais para deixarmos as crianças medrosas, ele escapa. E é lindo. Quando os carrascos de fora e de dentro dormem, quando é feriado no planeta do afasta e repele e rebate. Ele sai. E é lindo. Porque a maldade do mundo inteiro entende que não se brinca com as exceções da vida. E nada de mais acontece.